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Ice AVenturaS

A Aventura de estar no topo do meu Iceberg... Ou seja, da minha mente! Pensamentos, reflexões, experiências, assuntos sérios ou maluquices da pessoa, mãe e psicóloga... Uma viagem talvez alucinante e meio louca!

Ice AVenturaS

A Aventura de estar no topo do meu Iceberg... Ou seja, da minha mente! Pensamentos, reflexões, experiências, assuntos sérios ou maluquices da pessoa, mãe e psicóloga... Uma viagem talvez alucinante e meio louca!

Medo de uma sociedade que mede o valor de uma vida...

Eu sou um dos que choraram ao ver aquela foto, e provavelmente por más razões. Antigamente só lacrimava no cinema, mas hoje em dia comovo-me com facilidade, e é possível que ainda acabe como Jorge Sampaio, olhos marejados e vista sazonalmente embaciada, para meu grande embaraço. Suponho que a culpa seja dos filhos, que me fragilizaram a existência, e admito que as minhas lágrimas sejam lágrimas feias, de pura identificação pessoal e cultural: quando olhei para o corpo de Alan Kurdi não foi, de facto, ele que eu vi. Foi um dos meus filhos, a quem já vesti muitas vezes t-shirts daquelas e calções daqueles. Foi a Rita, a minha amada Rita, que fez três anos cinco dias antes de Alan morrer. Os cínicos têm razão: foi pelos meus filhos que chorei, e que continuo a chorar, enquanto escrevo estas palavras. Foi eles, e não um pequeno e desconhecido curdo, que imaginei a fugirem de mim na noite escura.

in "Os mortos não são todos iguais", João Miguel Tavares (Público)

 

E, pronto... É isto! Lamento, mas é isto que ainda me põe lágrimas nos olhos ao recordar aquela imagem.
Mas é também o resto deste texto, que subscrevo na íntegra, pois sei que identificar-me-ei com qualquer ser humano naquelas condições, sabendo que não acontece só aos outros... Por isso, nem que seja "por más razões" (a identificação e projeção), estarei do lado dos que choram por um menino caído à beira-mar.

 

E é também o medo (a certeza, na realidade) de que um dia possa ser eu, possam ser os meus... Independentemente de religiões, credos, ideologias políticas... Nada me garante que não serei.
São pessoas que fogem à morte e à guerra... Pessoas como eu e como os meus... Pessoas.

 

E se falamos de medos...
Sinceramente, tenho mais medo de vir a ser eu e os meus e ninguém nos valer, neste mundo em que o valor de uma vida humana parece ser algo quantificável e qualificável, do que medo de valer aos outros por serem pessoas como eu, mas com ideias diferentes das minhas...

 

O que eu tenho mesmo medo é de viver e ser conivente com práticas que dão força e ajudam argumentos relativos ao valor de uma vida humana... pois um dia pode ser a minha vida a ser avaliada e, nada poderei fazer ou dizer, pois também eu andei a avaliar a dos outros (nem que seja por ver e nada fazer para o impedir).

 

Sejam esses argumentos baseados em religiões, ameaças de terrorismo, em idades ("é velho demais, não vale a pena gastar dinheiro em terapias e tratamentos"), em possibilidades monetárias ("não tem dinheiro para pagar a vacina, por isso os filhos dele não vão ficar protegidos do risco x"), em localizações geográficas ("a grávida perdeu a criança, porque o hospital mais perto era a 150km, não conseguiu chegar lá a tempo e houve complicações no parto que ocorreu a meio da viagem"), ou outros...

 

Sim, porque em qualque dos casos, seja nos últimos exemplos que dei (mais ligados à realidade portuguesa), ou nos primeiros, trata-se disso: da decisão de avaliar o valor de uma vida.
E esta decisão, para mim, devia ser moral e não política ou económica... e nesse campo (moral), uma vida é uma vida.